Refinando a percepção da realidade
“Nosso objetivo é cultivar o equilíbrio cognitivo, um termo especial para algo que é muito comum. Equilíbrio cognitivo é a ausência de deficit e de hiperatividade da cognição. O deficit cognitivo ocorre quando não notamos algo que é claramente apresentado a nós. Por exemplo, podemos olhar diretamente para o rosto de uma pessoa mas, por estarmos tão submersos em nossos próprios pensamentos, somos incapazes de notar suas expressões, tom de voz e seu estado emocional. Na hiperatividade cognitiva, lembramos de coisas que nunca aconteceram, ou vemos coisas que são totalmente projetadas. Nós sobrepomos conceitos sobre a realidade e os confundimos com aquilo que está sendo apresentado. Diferenciar claramente o que está sendo apresentado do que está sendo projetado é um meio de superar a hiperatividade cognitiva.
Quando, por exemplo, interpretamos o estado mental de outra pessoa lendo suas expressões faciais, estamos pisando sobre uma fina camada de gelo. Paul Ekman, psicólogo mundialmente conhecido, que se dedica ao estudo das expressões faciais e sua relação com as emoções, afirma que você pode se tornar um bom leitor de expressões faciais, pode saber muitas coisas sobre como as emoções podem ser demonstradas. Mas ele recomenda que tenhamos extremo cuidado, porque nunca seremos capazes de saber porque uma emoção está se manifestando. Ekman treinou agentes de segurança da CIA e do Departamento de Estado no reconhecimento de expressões faciais de falsidade, ansiedade, medo, raiva suprimida, e assim por diante. Mas uma expressão sutil de ansiedade pode justificar a detenção de alguém? Talvez a pessoa esteja ansiosa apenas porque está usando um turbante ou porque seu governo costuma deter e torturar pessoas sem processá-las. Ekman chama a interpretação errônea das emoções de “o erro de Otelo”. Na peça de Shakespeare, “Otelo, o mouro de Veneza“, Otelo mata sua esposa porque não percebe que seu medo de não ser acreditada soa e parece com o medo de ser flagrada em adultério – medo é medo.
A prática de atenção plena se destina ao cultivo do equilíbrio cognitivo, para que possamos verificar e nos engajar ao que está sendo de fato apresentado. A atenção plena às aparências requer que nos engajemos com os fenômenos conscientemente, sem cairmos em deficit cognitivo. Também requer que possamos superar a hiperatividade cognitiva, não sobrepondo, interpretando e projetando nossos pensamentos sobre a experiência. Nas relações pessoais e profissionais, a habilidade de prestarmos atenção sem desequilíbrios cognitivos tem uma enorme relevância. O equilíbrio cognitivo e o equilíbrio emocional estão intimamente relacionados.”
Alan Wallace, Minding Closely – The Four Applications of Mindfulness
Tradução livre de Jeanne Pilli