Quando a empatia leva ao esgotamento

Como seres humanos, somos naturalmente preparados para sentir emoções – não apenas as nossas, mas também as dos outros. A neurociência moderna provou que sentir empatia faz parte da nossa história evolutiva: nossos cérebros têm circuitos específicos que nos permitem “sentir com” os outros. Ver alguém com dor pode nos causar dor. Alguns chamam isso de inteligência emocional, outros de sensibilidade. Independente dos termos, sentir o que outros sentem é, na verdade, fundamental para a nossa sobrevivência.

É claro que alguns de nós somos mais propensos à empatia do que outros. Certamente, todos temos algum amigo ou alguém da familia que preferimos pedir ajuda quando precisamos – possivelmente porque são melhores em “sentir com” do que outros. Isso também foi provado pela ciência: os circuitos neurais cerebrais relacionados à empatia podem ser ativados ou não. Ansiedade e estresse frequentemente prejudicam a capacidade de empatizar com os outros. Ou, em outros casos, podemos nos identificar demais com as experiências dos outros e perder de vista nossas próprias necessidades. A expressão “sinto sua dor” pode ser literal. Isso pode ser uma boa coisa… ou não.

Como professora de meditação, ofereci vários workshops para pessoas que cuidam de outras – mães, pais, filhos e filhas; ou pessoas que trabalham em hospitais, como capelães, médicos e terapeutas. As pessoas que empregam regularmente grande parte de sua energia cuidando dos outros podem ser levados ao esgotamento (burnout), um estado tipicamente descrito como uma mistura de estresse, raiva, depressão e frustração. Isso é uma experiência comum à maioria das pessoas, sejam ou não “oficialmente” identificados como cuidadores. Para evitar o esgotamento, os cuidadores precisam praticar o “cuidar de si”. Pode ser fácil deixar de lado nossas necessidades quando nos defrontamos com a dor dos outros. Mas, ironicamente, o esgotamento nos faz perder a capacidade de ajudar o outro e nós mesmos.

Em 2004, uma neurocientista chamada Tania Singer e seus colaboradores publicaram um importante estudo de pesquisa que mostrou como as regiões receptivas à dor no cérebro são ativadas quando sentimos empatia com a dor de outra pessoa. Desde que seu artigo foi publicado, Singer tem chamado a empatia de “precursora da compaixão”, diferenciando essas duas palavras que muitas vezes usamos de forma intercambiável. Em entrevista à Cognitive Neuroscience Society, Singer explicou a diferença: “Quando sinto empatia com o sofrimento dos outros… eu sofro… Mas se sentimos compaixão pelo sofrimento de outra pessoa, nos importamos – um sentimento de amor e afeto – e podemos desenvolver uma forte motivação para ajudar o outro ”.

Em outras palavras, empatia demais pode nos levar ao esgotamento. Mas o mecanismo da compaixão é diferente – frequentemente nos motiva a ajudar. Singer explicou ainda que os circuitos neurais ligados à empatia e à compaixão são diferentes: os primeiros aumentam as emoções dolorosas, enquanto os segundos estão associados a sentimentos positivos. A chave para cultivar a resiliência – equilibrar a empatia e a compaixão – começa com tomar consciência. A partir daí, podemos desenvolver uma maior habilidade de sentir empatia e compaixão, enfrentando os nossos próprios desafios e os dos outros.

Então, como desenvolvemos essa habilidade?

1. Podemos reconhecer que a compaixão não é apenas um sentimento, mas uma habilidade.

Normalmente pensamos que a compaixão é beneficiar outras pessoas necessitadas, quase como sentir piedade; mas na verdade é uma atitude mais ampla em relação à vida, que também nos ajuda a praticar o autocuidado. A neurociência também mostrou que, quando agimos com compaixão, nosso tônus ​​vagal – a conexão neural entre o cérebro, o coração e outros órgãos – aumenta. Isso libera oxitocina, o neuropeptídeo do bem-estar, que acalma o sistema nervoso simpático, incluindo a reação de luta ou fuga (medo). Isso implica diminuição da pressão arterial e da frequência cardíaca, redução da inflamação e até um reforço da imunidade. Cultivar a compaixão é uma prática – como a meditação ou como levantar peso.

 

2. Podemos nos relacionar com nossa própria dor com bondade e aceitação.

Nós não afastamos nossa dor, nem fingimos que não está lá. Nós nos tratamos com compaixão, porque é a partir dessa base de autocuidado que seremos capazes de nos relacionar com os outros com compaixão.

 

3. Podemos deixar de lado a necessidade de validação, elogio ou amor para aliviar nossa própria dor.

Se tentarmos negar nossa dor, estaremos mais inclinados a julgar os outros por suas experiências dolorosas. Por outro lado, muitos de nós tentamos acalmar nossa própria dor, agarrando-nos à idéia de “consertar” as situações difíceis dos outros. Mas se realmente nos permitimos sentir nossa própria dor, nós nos abrimos para estarmos simplesmente presentes com os outros. Vemos a dor como uma experiência universal, assim como o desejo de felicidade.

 

Cuidar de nossas próprias necessidades é uma forma de expressar limites, o que é certamente difícil. Mas se não respeitarmos nossos limites, colocaremos em risco nossa saúde mental, física e o nosso bem-estar.

Não importa o quão útil nós somos ou desejamos ser – todos nós temos limites e limites que precisamos expressar. A compaixão pelos outros não é algo que demanda dedicação em tempo integral. É um estado de ser, uma atitude, um modo de perceber as coisas. E com isso nos abrimos para uma relação mais direta com nós mesmos, com os outros e com a vida.

~ Sharon Salzberg é uma renomada professora de meditação e autora best-seller do New York Times.

Tradução livre de Jeanne Pilli do texto publicado aqui.