Investigando a Mente em Primeira Pessoa
Desde a virada do século, um número crescente de estudos científicos revelaram os benefícios para a saúde de vários tipos de meditação baseadas na atenção plena. Scans do cérebro, medições de EEG, estudos de comportamento e questionários têm mostrado a influência da meditação sobre o cérebro e sobre o comportamento, que para muitas pessoas empresta algum grau de credibilidade à prática da meditação.
Na esmagadora maioria desses estudos, aqueles que conduzem e na pesquisa são cientistas treinados profissionalmente, com a intenção de aplicar medidas objetivas para entender a natureza e os efeitos da meditação. Em contraste, os meditadores são tratados como indivíduos nestes estudos, semelhante sujeitos humanos e não-humanos em outros tipos de pesquisa em psicologia e neurociência. Assim, suas identidades são quase sempre ignoradas em relatórios científicos, e todas as descobertas relativas à meditação são atribuídas aos cientistas, que em muitos casos, têm pouca ou nenhuma experiência meditativa. Consequentemente, quaisquer descobertas sobre a natureza da mente que possam ter sido feitas pelos próprios meditadores são geralmente negligenciadas nos artigos científicos, presumivelmente porque eles não são considerados “objetivas” e, portanto, “não científicas”.
Este preconceito que privilegia a evidência em terceira pessoa – “objetiva” – versus a experiência de primeira pessoa – “subjetiva” – é problemática quando se trata de compreender a natureza dos processos mentais e estados de consciência, que não são detectáveis por meio de qualquer sistema objetivo de medição. Em contraste, com base no desenvolvimento meditativo de refinadas habilidades de atenção, o praticante passa a ter uma crescente capacidade de observar uma variedade cada vez maior de processos mentais e estados de consciência. Com isso, pode fazer descobertas sobre a mente que são inacessíveis para os métodos de observação em terceira pessoa. Isso, claramente, é o caminho a seguir para que possamos buscar uma compreensão mais completa da mente e da consciência.
A atenção estável e clara, direcionada para dentro – ou introspecção – pode ser usada para investigar, em primeira pessoa, as qualidades únicas de sua própria mente e a natureza e potencialidades da mente em geral. Tal investigação contemplativa permite um fazer observações objetivas internamente, sobre a originação, natureza, e dissolução de pensamentos discursivos, desejos, emoções e outros processos mentais. Desta forma, a pesquisa experimental tem grande valor epistêmico para compreender a mente em primeira mão. Além disso, a prática de manter uma consciência clara e não reativa de tais eventos mentais tem também um grande valor terapêutico. Assim, o significado epistêmico e pragmático deste e de outros métodos de meditação para o desenvolvimento da atenção estão profundamente integrados: conhecer a si mesmo é fundamental para a curar a si mesmo.
Enquanto divulgadores modernos de ioga e meditação, muitas vezes, ensinam vários métodos como técnicas autônomas, independentes de qualquer teoria, valores ou estilo de vida, essa abordagem reducionista é alheia a todas as outras grandes tradições contemplativas do mundo. Quando se adota uma visão de mundo materialista, acreditando que tudo no universo, incluindo todos os organismos vivos e estados de consciência, podem ser bem compreendidos unicamente como propriedades emergentes da matéria, isto tem um impacto direto sobre os próprios valores e prioridades. Se alguém acredita que só a matéria e suas propriedades emergentes são reais, essas serão as únicas coisas que terão valor, e os únicos tipos de felicidade que irão buscar serão dependentes de estímulos, prazeres hedonistas resultantes das interações entre matéria e energia. Além disso, se os próprios valores são completamente materialistas e hedonistas, o resultado inevitável será um modo de vida orientado ao consumo e aquisição de bens materiais e busca de prazeres hedonistas.
Por outro lado, as formas tradicionais de meditação, são incorporadas em visões do mundo que incluem elementos físicos e não-físicos do mundo natural. A atenção plena e concentração autênticas surgem apenas em conjunto com uma visão de mundo autêntico – que não está sujeita às limitações do materialismo – e com uma aspiração autêntica orientada para a verdadeira felicidade, que surge a partir da ética, do equilíbrio mental e da sabedoria.
As origens, a natureza e os potenciais da consciência, juntamente com a natureza e os meios de realizar a verdadeira felicidade, são de extrema importância, especialmente no mundo de hoje, em que os efeitos devastadores do materialismo desenfreado estão causando estragos na sociedade moderna e no meio ambiente natural. Pressupostos materialistas sobre a natureza humana continuam a dificultar a investigação mais ampla sobre a relação entre o corpo e a mente, incluindo como a consciência surge em um feto humano e o que acontece com ela no momento da morte. Os materialistas assumem que a consciência surge de interações complexas de neurônios e simplesmente desaparece com a morte, mas nunca cientificamente demonstraram a veracidade de suas crenças. Os contemplativos de múltiplas tradições do Oriente e Ocidente rejeitam essa hipótese, mas as descobertas em primeira pessoa nas quais se baseiam suas conclusões ainda precisam ser levadas a sério por parte da comunidade científica.
Como uma analogia, mesmo depois de Copérnico ter apresentado sua brilhante teoria heliocêntrica dos movimentos dos planetas ao redor do sol, escolásticos medievais continuaram a se agarrar à sua crença de que o Sol e os planetas orbitavam ao redor da Terra. Ambos os pontos de vista, heliocêntrico e geocêntrico, baseavam-se nas aparências a olho nu dos movimentos relativos desses corpos celestes. Foi apenas quando Galileu aperfeiçoou o telescópio como um instrumento para fazer observações precisas sobre o sol, a lua e os planetas, foi possível descobrir as fases de Vênus, que proporcionaram evidência irrefutável de que a visão geocêntrica medieval era inválida.
Hoje em dia, cientistas e teólogos continuam a debater sobre o destino da consciência humana depois da morte, cada um com seus próprios pressupostos, sem serem capazes de apontar evidências de que resolve o problema para os que buscam a verdade, com inteligência e com a mente aberta.
A realização de estados altamente refinados de atenção focada, por meio de treinamento interno, transcendendo os limites da psique humana normal, lança luz sobre dimensões da consciência que não são dependentes do cérebro. Se esta descoberta for válida e puder ser replicada por qualquer pessoa com treinamento contemplativo suficiente – independentemente de suas crenças metafísicas – mudará a compreensão moderna da mente, de uma visão “materiocêntrica” para uma visão “empiricocêntrica”. Isso anunciará a primeira revolução científica nas ciências da mente, em que a experiência mais uma vez triunfará sobre o dogma, e as crenças metafísicas antiquadas sobre a natureza e os potenciais da consciência serão derrotadas pela observação rigorosa. Em vez de ser uma vitória da religião sobre a ciência, será uma vitória da ciência e da espiritualidade, abrindo caminho para a mais profunda exploração de natureza humana e da nossa capacidade de realizar a verdadeira felicidade, por meio do conhecimento de nós mesmos e da nossa relação com o mundo natural como um todo.
Em resumo, esta é a razão principal para o estabelecimento de uma rede mundial de observatórios contemplativos, ligados por meio da internet, e em colaboração mútua, modelado a exemplo do Projeto Genoma Humano. Estes observatórios estão agora em fase de planejamento e desenvolvimento nos Estados Unidos, México, Brasil, Tailândia, Reino Unido, Mongólia, Nova Zelândia e Índia.